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27 de dezembro de 2009

Breve História dos Crashes



O que é um Crash?

Um Crash é uma queda abrupta e muito significativa nos mercados não existindo um critério claro sobre o valor mínimo a partir do qual poderemos considerar que se trata de um Crash: há quem defenda que terá de ter uma queda num só dia de pelo menos 8 ou 10% e quem defenda que no global terá de haver uma queda de pelo menos 20% num curto espaço de tempo, sendo que abaixo desse valor toma normalmente o nome mais discreto e menos sonante de correcção.

Os Crashes são normalmente produto de uma euforía desmedida e de uma prolongada fase de ascensão exagerada e irracional nos mercados que dá pelo nome de Bolha. Ou seja, por norma o Crash é o resultado natural da Bolha sendo no entanto que é muito imprevisível o quando e o como e de um Crash.

Vale a pena ainda sublinhar o período que dá pelo nome de Bear Market, nalguns casos associado ainda a uma situação de depressão económica, um período que tende a arrastar-se no tempo, por vezes por dois ou três anos, com quedas lentas mas diárias e quase constantes que poderão acabar por ser tão ou mais dolorosas do que o próprio Crash em si.

Se há uma característica associada aos Crashes essa característica dá pelo nome de pânico. É o denominador comum de todos os Crashes e a sua característica mais marcante. As vendas sucessivas e descontroladas que originam avalanche são produto do pânico dos investidores.



O Crash das Tulipas (1634-1637)

É provavelmente o primeiro Crash minimamente documentado. Passou-se, imagine-se, em pleno Século XVII na Holanda mas já nessa altura podemos encontrar as características habituais dos Crashes modernos e não deixa de ser, do ponto de vista histórico, extremamente interessante recordá-lo e compará-lo com os Crashes dos mercados modernos.

A Bolha das Tulipas iniciou-se com a sua importação da Turquia a partir dos finais dos Sec. XVI quando entretanto a flor foi atacada por um vírus que não a matou mas antes começou a produzir novos padrões, que variavam de Tulipa para Tulipa produzindo assim um artigo raro, procurado e apetecido.

Assim e talvez não muito surpreendentemente conhecendo a natureza dos mercados e a irracionalidade que pode atingir os investidores, a cotação das Tulipas começou a subir de tal forma que a dada altura havía investidores dispostos a desfazerem-se de todas as suas poupanças de uma vida ou mesmo dos seus terrenos e das suas casas para adquirir mais Tulipas quando não para adquirir uma única Tulipa, sempre no pressuposto de que a(s) venderíam mais tarde a um preço mais elevado. Num só mês chegaram a registar uma valorização de 20 vezes!

Em determinado momento os investidores mais prudentes começaram a desfazer-se do seu espólio provocando uma correcção no valor das Tulipas e não tardou surgiu o efeito de avalanche característico dos Crashes. O que começou por uma correcção mais do que justificada a tanta irracionalidade em torno de um produto de valor subjectivo mas cuja avaliação tinha atingido valores perfeitamente irracionais não tardou e transformou-se em pânico com os investidores a vender a qualquer preço aquilo que tinham comprado a peso de ouro, não que fossem movidos por uma repentina crise de racionalidade mas por puro e simples pânico.

Os efeitos deste Crash foram tão profundos que acabou por se transformar numa depressão económica...


O Crash de 29 (Outubro 1929)

Sem dúvida o mais famoso e marcante Crash da história cujos efeitos de depressão subsequentes se fizeram sentir fortemente durante mais de 3 anos.

A queda iniciou-se a 3 de Setembro de 1929 mas fez-se sentir em particular durante o mês de Outubro - mês que a partir de então tem estado ligado a vários períodos negros dos mercados - e ainda notavelmente durante o mês de Novembro. O mercado só pararía de cair no entanto em Julho de 1932 atingindo uma queda global de aproximadamente 90%.

A Bolha deveu-se sobretudo ao desenvolvimento industrial e à proliferação e democratização dos transportes. Estes eram o correspondente directo à Internet da década de 90 e a tudo o que se lhe associou. Mais uma vez a irracionalidade atingiu os investidores que a partir de certa altura estavam dispostos a arriscarem todas as suas economias sem conhecer nem os riscos associados aos mercados nem o que exactamente estavam a comprar.

Na fase final da Bolha e em particular durante o ano de 1929 ocorreram diversas correcções ou mini-crashes mas o mercado conseguia sempre recuperar destes movimentos e partir para novos máximos.

Isso terminou a 3 de Setembro de 1929 quando o mercado iniciou uma correcção da qual não mais recuperou.

Ora, aqui vale a pena assinalar uma das características dos Crashes e sobre a qual existem alguns equívocos: a mensagem que passa correntemente é a de que os Crashes se dão no pico da Bolha não sendo no entanto exactamente assim. O Crash inicia-se normalmente como uma correcção que em nada se distingue de muitas outras que provavelmente ocorreram antes o que torna ainda os Crashes mais difíceis de diagnosticar até ser demasiado tarde

E foi assim que ocorreu a partir do dia 3 de Setembro de 29 quando o mercado iniciou então uma correcção como outras tantas que tinham ocorrido anteriormente quer em 28 quer durante esse mesmo ano de 29.

O que começou por uma mera e natural correcção não tardou a transformar-se em drama. Antes disso, o mercado viria a realizar um mínimo relativo a 4 de Outubro para encetar um falso arranque que terminou a 11 desse mês com um máximo relativo inferior.

O mercado foi incapaz de realizar novos máximos!

O drama propriamente dito inicia-se a 21 de Outubro com a primeira sessão de quedas realmente fortes e anormais. O segundo dia mais característico e um dos mais importantes do Crash ocorreu a 24 de Outubro, sessão que fica então marcada pelo valor record de acções transaccionadas (o triplo do record anterior à data) e que passou a ser conhecido desde então como «Quinta-Feira Negra», Black Thursday.

As sessões mais terríveis ocorreríam após o fim de semana a 28 de Outubro - o dia de maior queda deste Crash com 12.8% e conhecido desde então como «Segunda-Feira Negra de 29», Black Monday - e com a «Terça-Feira Negra», Black Tuesday, a 29 de Outubro, a segunda maior queda, practicamente gémea da do dia anterior com 11.7%...

A terceira pior sessão deste período dramático ocorrería a 6 de Novembro, a quarta pior de sempre na história do Dow Jones.

O mercado tería a primeira de muitas recuperações inconsequentes apenas em Dezembro desse ano. Um sinal falso de esperança que só terminaría a Julho de 1932. No final, os mercados tinham sido esmagados por um peso de 90% de desvalorização. Verdadeiramente aterrador e sem paralelo na História dos Crashes americanos...


O Crash de 87 (Outubro 1987)

Trata-se do maior Crash dos tempos modernos e o detentor do record da maior queda num único dia: 22.6% no Dow Jones no espaço de cerca de 6 horas, a 19 de Outubro de 1987 (igualmente conhecida como «Segunda-Feira Negra», Black Monday).

No entanto é ao mesmo tempo para muitos autores o Crash menos justificado e mais incompreendido de todos, o mais atípico e ao qual esteve associado pouco pânico, principalmente se tivermos em conta a sua violência.

Acontece que este Crash teve uma faceta até então desconhecida dos mercados e da História dos Crashes: foi significativamente amplificado pela execução automática de ordens pelo que muitos investidores venderam «ao preço da chuva» sem terem consciência que o tinham feito. Na verdade nem sequer, em muitos casos, deram qualquer ordem deliberada nesse sentido ou sabiam, nem que aproximadamente, a que preços estavam a vender.

Não deixa de ser no entanto curioso que o produto final, em termos gráficos, tenha acabado por ser bastante semelhante ao Crash de 29.

Porém, neste caso e por razões particulares, a queda concentrou-se na sua maior parte numa única sessão eclipsando os trágicos records de 1929.

Convém sublinhar que a SEC (Securities and Exchange Comission) nasceu com o Crash de 29 por ordem de Franklin Roosevelt sendo uma das suas funções prevenir futuros Crashes entre outras prácticas fraudulentas. E durante algum tempo pensou-se que o mercado estaría livre de novos Crashes.

No entanto e por maior que fosse o esforço por parte da SEC para fazer chegar aos investidores informação clara sobre as empresas, esta não tinha qualquer controlo sobre a irracionalidade dos investidores como mais tarde se veio a verificar. Durante a década de 80 viveu-se de novo um período de euforía, época essa em que começou a surgir pela primeira vez a noção de «Nova Economia», noção aliás que viría inclusivamente a sobreviver ao Crash de 87 e a perdurar pela década de 90.

Muito sucintamente, o topo dos mercados foi realizado a 25 de Agosto de 87 e tal como em 29 iniciou-se então uma correcção aparentemente inofensiva. A 21 de Setembro o mercado realizava um mínimo relativo e encetava um falso rallye que, de forma extremamente semelhante ao que ocorreu em 29 não foi capaz de trazer o índice para novos máximos. A 5 de Outubro de 1987 o mercado realizava um máximo relativo inferior que tem paralelo com o dia de 11 de Outubro de 1929.

A História repete-se: o mercado foi incapaz de realizar novos máximos.

Iniciava-se então o período mais dramático com o clímax na sessão de 19 de Outubro e uma outra sessão digna de registo (a sexta pior da história do Dow Jones) a 26 de Outubro.

Nos períodos mais dramáticos deste Crash os investidores chegaram a não ter qualquer ideia de que a que preços estavam a vender as suas acções dado que as ordens eram geradas automaticamente (ordens de stop loss) e sem qualquer restrição.

O mercado conseguiu livrar-se desta vez de uma depressão - cujo mérito histórico cabe a Alan Greenspan - e quanto aos sistemas, foram introduzidos novos mecanismos por forma a interromper as ordens geradas automaticamente a partir do momento que o mercado atinge um determinado nível de queda, normalmente conhecidos por períodos de consolidação de ofertas. A partir de certo ponto, previamente definido, o título é suspenso obrigando a um período de consolidação, interrompendo as ordens automáticas e dando tempo aos investidores para que tenham conhecimento e consciência de que a que preços estão a tentar vender as suas acções.



O Mini-Crash de 97 (Outubro de 97)

Não merece, nesta Breve História dos Crashes mais do que uma menção honrosa, pois não constituiu um verdadeiro Crash mas antes um Mini-Crash.

As razões para não ser tratado convencionalmente como um Crash prendem-se com a sua situação particular: os seus efeitos foram de curta duração pois o mercado viría a recuperar rapidamente deste Crash e a partir para novos máximos. Isto é, ao contrário de outros Crashes, maiores e mais dignos desse nome, este não marcou o final de uma Bolha, antes surgiu a meio dela.

A pior sessão ocorreu a 27 de Outubro de 1997 mas os seus efeitos foram bastante limitadas em grande medida pelas medidas introduzidas nos Sistemas após o Crash de 1987.

Na verdade e tornando evidente como este Mini-Crash difere dos restantes aqui apresentados, o maior período de exuberância ocorreu precisamente no período que se lhe seguiu (98 e 99).



O Crash das Dot-Com (2000)

O mais recente Crash de todos é também o mais prolongado e disforme. Mais do que um Crash tratou-se de um Bear Market severo, muito severo (muito embora o termo Crash também se lhe aplique e seja efectivamente usado para descrever este período).

Durante a década de 90 e já depois do Crash de 87 e de uma depressão evitada recuperou-se a noção de «Nova Economia», noção essa que nunca tinha feito tanto sentido como então com a proliferação sem precedentes da Internet.

Sem se apereceberem de que estavam a embarcar numa euforía tão justificada como tantas outras anteriores e que a Internet eram tão revolucionária quanto a Revolução Industrial do fim do Sec. XIX e início do Sec. XX, o mercado embalou na Bolha das Dot-Com. O Bull Market culminaría em Março de 2000 e no Bear Market que então se iniciou o índice do Nasdaq viría a sofrer uma desvalorização de perto de 80% até Outubro de 2002.

No Nasdaq em particular as semelhanças da década de 90 com a década de 20 no Dow bem como os 3 anos de Bear Market subsequentes em ambos os casos apresentam semelhanças dignas de registo.

O topo foi realizado em Março de 2000, no entanto o período mais dramático fez-se sentir entre 1 de Setembro de 2000 e 2 de Janeiro de 2001: neste período de cerca de 4 meses o Nasdaq depreciou-se em quase 50%, ou seja, mais de metade da desvalorização de todo o Bear Market concentrou-se nestes 4 meses.

Algumas das piores fases surgiríam ainda com o 11 de Setembro de 2001 e no Verão de 2002 na sequência do escândalo Enron, já na ponta final do Bear Market. A este título convém no entanto referir que algo semelhante se passou com o Bear Market pós-29 naquilo que é hoje conhecido como capitulação: um derradeiro clímax vendedor que marca o fim do Bear Market.



A Imagem de Marca de um Crash


Algumas concepções chave valerá a pena sublinhar no que aos Crashes diz respeito:

> Os Crashes realmente considerados como tal contam-se pelos dedos de uma mão: tratam-se portanto de eventos extremamente raros. Existe uma tendência para banalizar o termo Crash mas este é tido como a descrição para determinados e específicos momentos na História dos mercados. Um pouco mais frequentes são os Mini-Crashes (como o de 97 e mais uma meia-dúzia de situações ao longo do Séc. XX) e as vulgares correcções, por vezes violentas, que antecedem os Crashes propriamente ditos;

> Os Crashes podem chegar com várias formas e feitios mas caracterizam-se essencialmente por serem precedidos por uma Bolha (um período de euforía e valorizações irracionais) e seguidos de um período de Bear Market. O Crash propriamente dito não é algo de que o mercado recupere facilmente. No seu ponto alto, o pânico é o denominador comum;

> Os Crashes não são períodos que se isolem facilmente no tempo, arrastam-se por norma por várias sessões - destacando-se é claro algumas sessões mais marcantes - e dá-se, não exactamente a partir do pico mas, por norma, após uma primeira correcção semelhante a tantas outras, tornando-se extremamente difícil identificar o início de um Crash até ser demasiado evidente e, também em grande medida, demasiado tarde.


Agradecimentos ao Marco Antonio que facultou o texto.

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